Que ódio!
Fico assim tão desencontrado pé mão na cabeça
tudo deslocado
no tempo
no espaço
língua presa calada colada em gosma no teto
da boca
tumulto por dentro
ideias
minhocas em lata sem ar
com medo de sair
e servir de isca pra peixe
sofrer morrer sei lá
então calo sorrio olho inteligentemente
desfaço
faço pose de-sei-lá-o-quê
RIDÍCULO
é exatamente assim que me sinto
ridículo
MAS NÃO ACHAM
que porra é essa só eu sei
fico representando a mim mesmo
para que os outros se sintam seguros tranquilos
EO PIOR É QUE FICAM, NÃO É ENGRAÇADO/
eu sou aquele em quem todos confiam contam
segredos...
VOCÊ TEM SEMPRE A PALAVRA CERTA O CONSELHO
ÚTIL
E DEPOIS NÃO SAI ESPALHANDO POR AÍ É CONFIÁVEL
é uma loucura porque eu sei
sei tudo o que os outros devem fazer
tudo o que eu devo fazer
mas e o que eu quero fazer
e o que eu sinto
quem se importa?
Problemas? Duvido!
VOCÊ SUPERA TUDO
que horror
eu não sei
e quando sei
não quero e
quando quero
não faço porque
não devo
fugir
sempre penso
quando só e com nada a fazer
porém
pra onde?
pra quem?
pra quê?
e os outros
os que precisam
os que dependem
ou pensam que
ou eu penso que
por necessidade de me apegar
e eu só queria
isso
o vazio
oco buraco
e a vida correndo
passando dia a dia noite a noite
a cada minuto a
cada segundo
sem mudança
pássaro impedido
de alçar vôo pela própria censura
pela própria falta
de coragem
tão inteligente e
não entendendo nada
tão consciente e
andando ao léu
SEM RUMO
abjeto objeto das
forças externas com vontade de gritar na fala mansa
tigre domado
saltando para o aro de fogo ao estalo do chicote
2+2 são 4 e não
adianta poetar 5
são quatro como os
cavaleiros do apocalipse...irreversíveis
arquitetei uma
vida que nunca vivi
SONHOS
quem precisa deles
quando não se consegue dormir
dormir é morrer um
pouco
não se pode morrer
sem ter aprendido a vida
decidido
sem tempo para
dormir
sem tempo para
morrer
não já não ainda
“mundo mundo vasto
mundo se eu me chamasse Raimundo”
É Drummond...
SERIA UMA RIMA
Mas também uma solução
a consonância a adequação simples e lógica
massa e barro se moldam constroem-se
permitem-se
rocha bruta exige técnica e cinzel e martelo
cortar bater desbastar
e tempo mais muito
e paciência talvez toda a vida
ela inteirinha para concluir que o produto
não é o que se idealizou
faltou arte quem sabe?
então nada mais resta fazer a não ser cobrir
com um lençol
ocultar e esquecer
admitir que se falhou e que não há mais tempo
para recomeçar quem gosta de?
O jeito é continuar fingindo ocupando o tempo
e fazendo pose de grande artista
engolir o cotidiano sorrir com creme dental
anti-cárie anti-placa anti-nicotina anti-tártaro fluor hortelã menta limão
COMPLICADINHO, NÉ?
absurdo incoerente falso sei lá
também não sei se é bom ou mau bem ou mal
aliás que diabo é isso de certo errado pode
não pode
desatino pensar
eu sou dois
nunca um nunca uno nunca inteiro a dualidade
é minha constante
minha unicidade consiste em ser
permanentemente
1+1
às vezes bem poucas é verdade
penso me conhecer
não sei de onde
lembro o meu nome
não por inteiro...e...
Ora
vejam só! O filho da puta dormiu. Ronca como uma porca recém-parida. Ressona o
infeliz. Pago uma nota preta pra esse sacana me ouvir e ele...dorme.
Eu
me rompo me rasgo me dilacero me exponho me decomponho e ele...DORME.
TEXTO: Rosa Maria Ferrão
IMAGENS: Iman Maleki
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