6.9.15

No divã



Que ódio!
Fico assim tão desencontrado pé mão na cabeça tudo deslocado
no tempo
                           no espaço
língua presa calada colada em gosma no teto da boca
tumulto por dentro
ideias
minhocas em lata sem ar
com medo de sair
e servir de isca pra peixe
sofrer morrer sei lá
então calo sorrio olho inteligentemente desfaço
faço pose de-sei-lá-o-quê
RIDÍCULO
é exatamente assim que me sinto
ridículo
MAS NÃO ACHAM


 sujeito seguro estável brilhante mesmo
que porra é essa só eu sei
fico representando a mim mesmo
para que os outros se sintam seguros tranquilos
EO PIOR É QUE FICAM, NÃO É ENGRAÇADO/
eu sou aquele em quem todos confiam contam segredos...
VOCÊ TEM SEMPRE A PALAVRA CERTA O CONSELHO ÚTIL
E DEPOIS NÃO SAI ESPALHANDO POR AÍ É CONFIÁVEL
é uma loucura porque eu sei
sei tudo o que os outros devem fazer
tudo o que eu devo fazer
mas e o que eu quero fazer
e o que eu sinto
quem se importa? Problemas? Duvido!
VOCÊ SUPERA TUDO
que horror
eu não sei
e quando sei
não quero e
quando quero
não faço porque não devo
fugir
sempre penso quando só e com nada a fazer
porém
pra onde?
pra quem?
pra quê?
e os outros
os que precisam
os que dependem
ou pensam que
ou eu penso que por necessidade de me apegar

e eu só queria isso
o vazio
oco  buraco
e a vida correndo passando dia a dia noite a noite
a cada minuto a cada segundo
sem mudança
pássaro impedido de alçar vôo pela própria censura
pela própria falta de coragem
tão inteligente e não entendendo nada
tão consciente e andando ao léu
                    SEM RUMO
abjeto objeto das forças externas com vontade de gritar na fala mansa
tigre domado saltando para o aro de fogo ao estalo do chicote
2+2 são 4 e não adianta poetar 5
são quatro como os cavaleiros do apocalipse...irreversíveis
arquitetei uma vida que nunca vivi
          SONHOS
quem precisa deles quando não se consegue dormir
dormir é morrer um pouco
não se pode morrer sem ter aprendido a vida
decidido
sem tempo para dormir
sem tempo para sonhar
sem tempo para morrer
não já não ainda

“mundo mundo vasto mundo se eu me chamasse Raimundo”
É Drummond...
SERIA UMA RIMA
Mas também uma solução
a consonância a adequação simples e lógica
massa e barro se moldam constroem-se permitem-se
rocha bruta exige técnica e cinzel e martelo cortar bater desbastar
e tempo mais muito
e paciência talvez toda a vida
ela inteirinha para concluir que o produto não é o que se idealizou
faltou arte quem sabe?
então nada mais resta fazer a não ser cobrir com um lençol
ocultar e esquecer
admitir que se falhou e que não há mais tempo para recomeçar quem gosta de?
O jeito é continuar fingindo ocupando o tempo e fazendo pose de grande artista
engolir o cotidiano sorrir com creme dental anti-cárie anti-placa anti-nicotina anti-tártaro fluor hortelã menta limão
COMPLICADINHO, NÉ?
absurdo incoerente falso sei lá
também não sei se é bom ou mau bem ou mal
aliás que diabo é isso de certo errado pode não pode
desatino pensar
eu sou dois
nunca um nunca uno nunca inteiro a dualidade é minha constante
minha unicidade consiste em ser permanentemente
1+1
às vezes bem poucas é verdade
penso me conhecer
não sei de onde
lembro o meu nome
não por inteiro...e...


            Ora vejam só! O filho da puta dormiu. Ronca como uma porca recém-parida. Ressona o infeliz. Pago uma nota preta pra esse sacana me ouvir e ele...dorme.
            Eu me rompo me rasgo me dilacero me exponho me decomponho e ele...DORME.




TEXTO: Rosa Maria Ferrão

IMAGENS: Iman Maleki

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